sexta-feira, 25 de maio de 2007

CRÓNICAS FUSETENSES

CRÓNICAS A SOL ABERTO

Por : Maria José Fraqueza

OS CASAMENTOS A REMOS

Eram moda local esta modalidade de casamento, não havia outra forma de os realizar, tinha de ser assim por força das circunstâncias.
Mas porquê casamentos a remos? Será que eram realizados por mar? Seriam os velhos casamentos realizados nas armações de atum? Na expressão usada pelo pessoal do mar, os “remos” seriam as pernas e daí o “andar a pé” e era assim que tudo acontecia.
Pois é! Mas era apenas na Fuzeta, que a nossa gente do mar, designava naquela época todos os casamentos de pescadores que se realizavam, porque eram feitos a pé, da casa dos noivos para a igreja. O cortejo atravessava as ruas, como qualquer “peão”, porque não haviam automóveis, nem faixas de rodagem, nem dinheiro para o trem. Recordo apenas o senhor Domingos Chagas tinha um antigo “chevrolet” com uma buzina muito típica que a “moçanhada” corria toda atrás para ver.
Conta-se que um certo casamento a remos, deu que falar. Nessa altura, as coisas melhoravam um pouco, então como a noiva morava na Rua da Igreja, foi esta enfeitada com passadeiras, para a noiva e seus convidados passarem. É claro que isto deu que falar, até porque a referida rua, tinha sido calcetada havia pouco tempo, mediante uma promessa feita na passagem da Fuseta, para o Compromisso Marítimo de Olhão. Como é natural, havia sempre gente descontente, que não concordava com a mudança. Dizia-se na altura que o regedor Gaspar, havia concordado com o feito e então surgiu a frase, que andou de boca em boca, e muitos ainda proferem, é só que alguém diga a palavra “Já está” a outra repete logo: “Já está Senhor Gaspar, a rua da Igreja calçada”. Em vez de dizer “calcetada” diziam “calçada”
- Já o diabe é asno! Não podem pôr os pés na calçada! Mai se a Rua está bem calçada! São mai finas que as outras! Vê-se logo que são “terrestras”! Se fossem "maritmas" ou "bregueleiras" ainda se tolerava, mai são aquelas "pingentas"...
- As formigas têm que se distinguir dos formigões!
A partir daí, começaram a aparecer alguns casamentos de trem, (para os mais abastados) contudo, na sua maior parte, eram os tais “casamentos a remos”. Até que um dia um pescador fusetense, que tinha uma certa aversão aos casamentos a remos, juntou algum dinheiro e no dia do seu casamento, alugou uma camioneta para levar a família toda. A partir daí, começaram os veículos automóveis a transportar os convidados e os “casamentos a remos” deixaram de existir.
E que tal se pegasse agora em moda? Andar a pé, além de que é óptimo para a saúde física, não deixa de ter um certo encanto.


COSTUMES POPULARES
Não tarda aí o S. João! Por toda a parte, procuram renovar-se as velhas tradições, nomeadamente no que respeita marchas populares, ruas enfeitadas, janelas floridas... mas perdeu-se muitos do encanto dos velhos costumes.
Se me recordo! Faziam-se as sortes: a do bochecho, a dos papelinhos, a do ovo, do chumbo, do junco, da alcachofra, os silêncios, a das três favas, da bacia de água, na imagem do poço na noite de S. João, do buraco da fechadura, etc... e as raparigas andavam sempre desejosas de saber dos casamentos, dos namorados, do que faziam, se eram ricos ou pobres ou alguma pergunta sobre determinado assunto do seu interesse.
Quantas vezes fui apanhar alcachofras ao campo com as minhas amigas, que eram queimadas na fogueira de Santo António ou S. João e aquela que voltasse a florir mais depressa era a primeira a casar. Parece incrível, mas é verdade, havia uma amiga cuja alcachofra nunca floria, era sinal que não casava, e, ainda hoje é solteira. Igualmente íamos apanhar juncos, à beira dos riachos, no famoso Olheiro, espetavam-se nos vasos e o da rapariga que mais crescesse, era a que casava mais depressa.
Na sorte dos papelinhos, escrevia-se o nome do rapazes que mais se gostava, muito bem enrolados, punham-se debaixo do travesseiro, na véspera de S. António ou João, e pela manhã, retirava-se um à sorte, cujo nome que saísse, era do rapaz com quem se casaria.
Não vou dizer-vos tudo acerca das diversas sortes, para não tornar demasiado grande esta crónica. Limito-me as contar-vos as que mais fazia com as minhas amigas, naquele tempo de ingenuidade, de remotas tradições. Ficaram-me na memória cantigas populares, cujo autor se desconhece, embora sejam algumas de “pé quebrado”, todavia, não deixam de ter interesse, pelo seu conteúdo e que evocavam as sortes, algumas dirigidas aos namorados e às moçoilas, tais como:

Fiz a sorte do bochecho
Na noite de Santo António
Na passou ninguém à rua,
Só por causa do demónio.
António me deu um lenço
Cheio de ginjas na praça
Se eu nasci para José
Que queres António que eu faça!

Chamaste-me preta, preta
Eu sou preta que bem sei
Também a pimenta preta
Serviu à mesa à do rei.

Eu não me ralei com isso
E o S. João que é amigo
Deu-me logo um namorado
Que vai na marcha comigo!

Queimar alcachofra, meu bem
E a sorte do ovo...
Para ver se é rico também
Se ele é velho ou novo!

E era uma alegria os velhos bailes, nos mastros de S. João, enfeitados de murta e bandeirinhas, a maior parte das vezes, apenas com um tocador de harmónio. E dançavam até madrugada nas grandes noites de festa, arranjavam-se namoricos, cantava-se ao desafio.
Os bailaricos tinham uma certa piada, quando vinham as modas do bolo, da tablete, da vassoura e da laranja. Os rapazes fugiam logo que sabiam que era a moda do bolo ou tablete, porque o dinheiro era escasso para guloseimas para eles, quanto mais para dar às raparigas.
Foge!... Até se tornava engraçado!
Costumes saudáveis que se vão perdendo, mas que fazem parte do nosso folclore.


CRÓNICA DO MEU MUNDO


Procurei na minha vida profissional dar aos meus alunos conceitos que na minha meninice minha mãe me ensinara. Sim, porque a escola para além dos ensinamentos do domínio cognitivo, tem também como missão educar e preparar os alunos para a vida. Todavia, os sentimentos mais puros vêm do berço.
- Filha nunca mintas! Quem diz a verdade, não merece castigo! Quando vires um pobrezinho pedir esmola, se não tiveres nada para dar, dá -lhe uma palavra de carinho. Uma palavra dita com carinho é como um raio de luz para o coração e ser cordial é bonito!
- Mas que palavra é essa cordial? É a pessoa estar com a corda no pescoço?
Hoje eu acho graça à pergunta que lhe fizera na altura. Pois de facto muita gente “quando está com a corda no pescoço por vezes mente” e quem mente não usa de sinceridade, portanto não é cordial.
- Olha filha vai ao dicionário, consulta – para aprenderes o vocabulário!
Na verdade, era um hábito tirar os significados da lição, assim aprendia-se bem a língua pátria.
Consultando o velho dicionário “cordialidade” era sinónimo de: afeição, sincera, sinceridade…relativa ao coração.
- Mas… minha filha – continuava minha mãe que seguia os meus passos – não basta apenas ver o que significa. Temos de ver de que forma, eu posso ser cordial!
Para além de ser feio mentir, devemos ser honestos e simpáticos para com os outros. Dar um bom-dia ou um cumprimento, um beijo afectuoso é uma forma de cordialidade! E perguntar à pessoa: Como está? Como vai?
Visitar os enfermos outro gesto de cordialidade, dar-lhes conforto um incentivo, uma palavra, um carinho, um gesto ou uma flor.
Hoje nota-se grande falta de cordialidade, nos transportes públicos, nas ruas. Há um mundo apressado nada afectuoso, que não cede o lugar a um idoso, ou a um doente, a uma mulher grávida, não se ajuda um velhinho carregado. Quanta indiferença!
Ser cordial é ter um sorriso no rosto e uma alma aberta para amar que se resume nestas bonitas trovas que escrevi um dia

Exerce cordialidade
Quando bate em nosso peito
Um coração de amizade
Por um mundo mais perfeito.

No mundo deixa de haver,
A raiz de todo o mal
Quando na terra crescer
Um Homem mais cordial!

Maria José Fraqueza

1 comentário:

joaninha disse...

Fiz o que não fazia há algum tempo: uma peregrinação pelo seu Blog. Pareceu-me estar a estudar páginas de História Popular. Adorei, porque uma das vertentes que muito gostei de estudar, foi Antropologia e um pouco de simbologia. A Maria José é realmente fantástica e simultaneamente escreve com tanta clareza e facilidade que me encanta. Pois continue, porque encanta muitas pessoas, sem dúvida, não só pela juventude que erradia, como pelo conteúdo do seu trabalho, tão valioso. Um bem-haja e um beijinho da isabel